terça-feira, 2 de julho de 2013

Entrevista com Eni Orlandi

Encontrei uma entrevista muito interessante com a Professora Eni Orlandi, pioneira nos estudos de Análise do Discurso no Brasil, no site do Globo.


Globo Universidade – A senhora diz que a linguagem tem sua materialidade. Como lembrar que a linguagem não é um mero instrumento de comunicação?
Eni Orlandi – Comecei a questionar os linguistas que trabalham a linguística do significante, pensando a língua fechada nela mesma. Para mim, a língua tem certa autonomia, não é fechada, há uma abertura do simbólico. Não é em si que me interessa a língua, mas a forma como é praticada, produzindo sentidos, dentro da sociedade e da história. Nas Ciências Sociais e Humanas tem-se uma visão da língua como algo transparente, que você atravessa para procurar o sentido lá atrás. Com a linguística, aprendi que a língua tem uma ordem nela mesma, que você não a atravessa assim. Não se pode considerar que o sentido é um conteúdo depositado em algum lugar e que você vai procurar. O sentido está na materialidade discursiva, no fato de que a língua para significar tem que se inscrever na história.

GU – Como a historicidade influencia o discurso?
EO – Enquanto seres humanos somos seres históricos, simbólicos e sociais. Ao considerar o sujeito, o sentido, comecei a me interessar, criticamente, pelo processo dessa identidade, assim como pelo modo como os sentidos eram constituídos. E, naquele momento de minhas reflexões, me dediquei a pensar o discurso sobre o brasileiro e do brasileiro sobre si mesmo. Para isto tinha de mostrar que a gente precisa atravessar a interpretação para chegar à compreensão do discurso. Na interpretação, somos pegos pelas evidências já construídas, ao sabor das quais nos relacionamos com nossa realidade, imaginária. Com a compreensão, não ficamos nos produtos, mas conhecemos os processos de produção, a historicidade em sua materialidade contraditória, concreta, que atingimos analisando a materialidade discursiva.

GU – Pêcheux falava da relação do simbólico com o político. Qual a influência do discurso na ideologia e vice-versa?
EO – O objetivo de Pêcheux era ver como é que esse político, que não é o partidário, está simbolizado e como o homem está nessa simbolização do político. O político está no fato de que, como nossa sociedade é dividida, há uma divisão nos sentidos, eles não significam a mesma coisa para todos, mas, sim, na diferença. Por seu lado, consideramos que a materialidade da ideologia é o discurso e a materialidade do discurso é a língua. Assim, articulam-se língua e ideologia com o discurso. Comecei a desenvolver no meu trabalho discursivo algo que, na linguística formal, está excluído: a relação do sujeito e da situação. Quando assumi meu posto na USP, dava aulas de linguística geral e também de sociolinguística – porque não havia análise do discurso no currículo. Dei aulas que me eram destinadas dar e, dentro delas, introduzia essas outras ideias, da análise de discurso.

GU – E por que a escolha pela análise do discurso em vez da sociologia?
EO – Porque eu era e sou linguista e queria trabalhar a linguagem, por meio da qual você pode atingir essas questões que estão postas e te permitem pensar no sujeito e no sentido conjuntamente, pensando a ideologia e a política. O meu trabalho, embora suscitasse reações bastante adversas – inclusive na Unicamp, onde foi possível institucionalizar a disciplina Análise de Discurso (anos 1980) – era no intuito de mostrar que não é o que você diz, é como você diz que implica num sentido. As palavras escolhidas para uma mesma coisa, por sujeitos ou em situações diferentes, significam diferentemente umas das outras. Estabeleci essa outra forma de pensar a linguagem, enquanto linguista, porque, pelo menos no Brasil, e certamente nas Ciências Humanas, havia essa necessidade de falar da linguagem dessa forma.

GU – Porque o discurso inteligível não é necessariamente um discurso compreensível...
EO – Basta você falar português e eu também e o que eu estou dizendo fica absolutamente inteligível. Já compreender um discurso é conseguir explicitar a maneira como ele está produzindo sentido. E para chegar à compreensão, o analista não pode ficar só no que é inteligível, e nem mesmo no interpretável. Ele precisa entender como a interpretação está funcionando em você, em mim, pois, de uma certa maneira, eu posso, inclusive, estar produzindo sentidos que vão em uma outra direção, que você nem percebeu, não conseguiu interpretar, dadas as condições em que estão sendo produzidos.

GU – A senhora afirma que o silêncio também é uma forma de discurso, e que ele não está somente entre as palavras, mas as atravessa. Como o silêncio se expressa?
EO – O silêncio não fala, ele significa. Se você fizer o silêncio falar, ele vai significar diferente. Ele significa por ele mesmo, ele faz sentido, e isto é muito importante. Às vezes mais importante que as palavras. Significar com palavras é diferente de significar com silêncio. Há o silêncio que é a própria respiração do sentido. A gente pode estar em silêncio e estar significando. E também, muitas vezes, você fala certas coisas para que outros sentidos não apareçam. Isso é o silenciamento. Mas o sentido silenciado não desaparece. Porque o homem tem necessidade vital de significação. Onde ele não pode significar, migra para outros objetos simbólicos.

GU – Seu trabalho, atualmente, objetiva o estudo do sujeito no espaço urbano. Quais são as especificidades desse sujeito, dos meios eletrônicos e desses novos símbolos?
EO – Com a criação, nos anos 1990, do Laboratório de Estudos Urbanos (Labeurb), na Unicamp, passei a me interessar pela questão da cidade como um espaço de significação. Para compreender, na chamada mundialização, o modo como os sujeitos se significam, se dizem, se individualizam e como suas práticas são significadas, geridas ou não pela articulação simbólica e política do Estado, que tem funcionado pela falta. Os sujeitos não são inertes. E um menino que faz uma pichação está lá para dizer que ele existe, que ele está ali, que este seu gesto é um gesto simbólico que o liga de algum modo à sociedade. Pela análise de discurso eu compreendo isto e, com meu trabalho, posso conversar com a sociedade, com os administradores, com urbanistas, e intervir no modo como sujeito, sociedade, Estado estão sendo articulados e significando. Assim, rompo com o círculo da repetição e é este meu grande momento: o da compreensão e da formulação, no meu corpo a corpo com a linguagem.

Link da matéria:
http://redeglobo.globo.com/globouniversidade/noticia/2012/11/eni-orlandi-fala-sobre-analise-do-discurso-e-linguagem-em-entrevista.html

Nenhum comentário:

Postar um comentário